Crônicas
da Casa Vazia
O
Vulto na Janela
(Primeira Parte)
“Tudo o que vemos ou
parecemos não passa de um sonho dentro de um sonho”
Edgar
Allan Poe
O
dia fora chuvoso. O tédio parecia navegar pelos ares úmidos, como o
mensageiro onírico dos devaneios que acometem as almas ociosas e
sonolentas. Todos os meus livros pareciam me levar a um único
caminho de sonhos, ataviado de lânguidas ninfas bocejantes de face
nívea iluminadas pelo lusco-fusco do entardecer na terra dos poetas,
que apenas quem ama e sonha sabe aonde é. Pelos diáfanos vidros da
janela do quarto rolavam gotas de água resultado da condensação do
vapor, assemelhando-se ao correr de lágrimas - o que não seria de
todo estrambólico e fantasioso, dada a melancolia daquele dia, que
só foi dia porquê as horas assim o diziam, e essas, lacaias do
tempo, não costumam se enganar: seis horas marcavam as badaladas do
sino do Campanário, ao longe. Perdido em minhas leituras, tão
excêntricas quanto improfícuas, dada a minha atenção ter sido
finalmente opugnada pelo clima dolente, adormeci, ou, finalmente,
entreguei meu corpo ao sono, pois minha alma este já possuia e
levava como pluma embalada pelo ímpeto das brisas, pelas veredas
misteriosas das terras dos meus sonhos.
Estava
frio. Muito frio. Foi a primeira sensação que tive ao acordar.
Ainda atordoado, esfreguei os olhos. Estava péssimo e me sentido
estranho. A brisa da noite virava as páginas dos livros abertos
sobre a escrivaninha, e o farfalhar das folhas das árvores se fazia
ouvir, como assovios na noite escura. Sobressaltei-me ao perceber a
janela aberta, pois havia a trancado há alguns dias – desde que
começou a chuva – e não mais tornei a abrir. Estranhei tal fato e
olhei ao redor, mais atento. A porta do quarto permanecia trancada.
Tudo estava do jeito que eu deixara, até o gato ainda dormia aos
meus pé, ronronando, e sequer ergueu a cabeça quando me levantei da
cama. Eu estava mesmo péssimo, parecia ter dormido alguns dias e não
somente algumas horas. Enquanto me acometia tal devaneio, o gato, ao
ouvir algo que me pareceu ser o som de uma coruja, eriçou seus
pelos, as pupilas se dilataram – parecia assustado. Coloquei meu
cobertor sobre as costas, dirigindo-me à janela. Sim já era noite e
o vento dissipara as nuvens. Pela janela aberta pude ver algumas
estrelas de brilho fosco, uma vez que os vapores da noite ainda
galgavam o céu, amortalhando o horizonte. De repente, algo chamou
minha atenção, a minha frente, a apenas alguns metros de janela.
Senti algo estranho novamente. Um calafrio percorreu minhas espinhas
enquanto minha intuição acusava uma presença. Esperei meus olhos
se habituarem as trevas e então pude delinear um vulto
esbranquiçada no gramado, de frente para mim, também me
contemplando!
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