domingo, 12 de julho de 2015

Crônicas da Casa Vazia

O Vulto na Janela
 (Primeira Parte)

Tudo o que vemos ou parecemos não passa de um sonho dentro de um sonho”
Edgar Allan Poe

O dia fora chuvoso. O tédio parecia navegar pelos ares úmidos, como o mensageiro onírico dos devaneios que acometem as almas ociosas e sonolentas. Todos os meus livros pareciam me levar a um único caminho de sonhos, ataviado de lânguidas ninfas bocejantes de face nívea iluminadas pelo lusco-fusco do entardecer na terra dos poetas, que apenas quem ama e sonha sabe aonde é. Pelos diáfanos vidros da janela do quarto rolavam gotas de água resultado da condensação do vapor, assemelhando-se ao correr de lágrimas - o que não seria de todo estrambólico e fantasioso, dada a melancolia daquele dia, que só foi dia porquê as horas assim o diziam, e essas, lacaias do tempo, não costumam se enganar: seis horas marcavam as badaladas do sino do Campanário, ao longe. Perdido em minhas leituras, tão excêntricas quanto improfícuas, dada a minha atenção ter sido finalmente opugnada pelo clima dolente, adormeci, ou, finalmente, entreguei meu corpo ao sono, pois minha alma este já possuia e levava como pluma embalada pelo ímpeto das brisas, pelas veredas misteriosas das terras dos meus sonhos.

Estava frio. Muito frio. Foi a primeira sensação que tive ao acordar. Ainda atordoado, esfreguei os olhos. Estava péssimo e me sentido estranho. A brisa da noite virava as páginas dos livros abertos sobre a escrivaninha, e o farfalhar das folhas das árvores se fazia ouvir, como assovios na noite escura. Sobressaltei-me ao perceber a janela aberta, pois havia a trancado há alguns dias – desde que começou a chuva – e não mais tornei a abrir. Estranhei tal fato e olhei ao redor, mais atento. A porta do quarto permanecia trancada. Tudo estava do jeito que eu deixara, até o gato ainda dormia aos meus pé, ronronando, e sequer ergueu a cabeça quando me levantei da cama. Eu estava mesmo péssimo, parecia ter dormido alguns dias e não somente algumas horas. Enquanto me acometia tal devaneio, o gato, ao ouvir algo que me pareceu ser o som de uma coruja, eriçou seus pelos, as pupilas se dilataram – parecia assustado. Coloquei meu cobertor sobre as costas, dirigindo-me à janela. Sim já era noite e o vento dissipara as nuvens. Pela janela aberta pude ver algumas estrelas de brilho fosco, uma vez que os vapores da noite ainda galgavam o céu, amortalhando o horizonte. De repente, algo chamou minha atenção, a minha frente, a apenas alguns metros de janela. Senti algo estranho novamente. Um calafrio percorreu minhas espinhas enquanto minha intuição acusava uma presença. Esperei meus olhos se habituarem as trevas e então pude delinear um vulto esbranquiçada no gramado, de frente para mim, também me contemplando!

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