Cronicas da Casa Vazia
O Vulto na Janela (Segunda parte)
De
repente, algo chamou minha atenção, a minha frente, a apenas alguns
metros de janela. Senti algo estranho novamente. Um calafrio
percorreu minhas espinhas enquanto minha intuição acusava uma
presença. Esperei meus olhos se habituarem as trevas e então pude
delinear um vulto esbranquiçada no gramado, de frente para mim,
também me contemplando! Aturdido, senti minhas pernas enfraquecerem,
mas logo voltei a mim e gritei, resoluto “Quem é você? O que
quer?”. O desconhecido – ou talvez desconhecida? - não
respondeu. Com os olhos mais afeitos à escuridão, pude perceber que
se tratava uma mulher, vestida de branco, nívea e talvez com os
cabelos negros ou acastanhados. Limitou-se a me encarar por mais um
momento, para então se afastar, como se houvesse também se
assustado. Estava talvez aturdida, louca, perdida. Começou a se
afastar, pareceu-me então que fugia de algo e que estava alheia a
minha presença. Num ímpeto, pulei a janela, pois não a podia
deixar assim, sozinha. Passei a segui-la. Atravessei o gramado e fui
atrás da moça de branco.
Chegamos
– apenas a uma distância de uns dez passos – à ponte que
cortava um pequeno rio, plácido nos tempos de seca mas que naquela
noite impelia violentamente suas águas por debaixo da passagem.
Esbaforido, notei ainda as batidas do sino do Campanário da Igreja.
A mulher, pude ver então, era belíssima, dir-se-ia um anjo perdido
na terra. Branca, beirando a palidez doentia, cabelos negros
encaracolados e beijados pela brisa. Parecia que uma das ninfas que
me inspirava fugira de meus sonhos. Repentinamente, ela então subiu
no muro de pedra que guarnecia um dos lados da ponte. Olhou para
baixo, como que hipnotizada, a correnteza abaixo precipitando-se
contra as rochas do rio. “Não!” Bradei, impelindo-me contra o
muro na tentativa de salvá-la. Mas era tarde demais. Ela pulara.
“Não!!!”
Gritei. Acordei sobressaltado. O gato, a meus pés, se dispôs a
levantar a sua cabeça e me olhar, indiferente, e logo voltou a
dormir. Tudo não passara de um sonho. Intenso, mas um sonho. A
janela estava fechada, como eu a deixara. O gato dormia. O livro que
eu estava lendo, sobre meu peito. Tudo estava em ordem. Levantei-me.
A chuva cessara e um belo luar se delineava. Verifiquei que estivera
dormindo por apenas uma ho ra. “Mistérios do mundo dos sonhos...”…
Tudo
transcorreu normalmente até próximo da meia-noite. Comecei a me
sentir inquieto, e quase já havia olvidado do peculiar sonho que eu
tivera. A chuva não caia mais. Abri a janela e senti a brisa fria
roçando minha pele. O tênue brilho das estrelas e a luz da lua ,
que parecia digladiar-se com os vapores da noite. Inquietude,
excitação, nesses sentimentos resumia-se o estado da minha alma. O
gato me olhava.“Louco” parecia querer dizer a mim com seus olhos,
tamanha indiferença denotavam. Meu coração acelerou-se quando o
sino do campanário deu sua primeira badalada. Eu tinha que me
lembrar… terceira badalada, quarta badalada… o sonho… quarta,
quinta, sexta,.. a ponte… sétima, oitava, nona badalada… a moça
de branco… décima, décima primeira… “Meia Noite!!! A hora em
que eu a alcancei na ponte..!”. Impulsivamente, calcei meus tênis
e corri em direção à ponte. Tinha que dar tempo..!
A
lua parecia iluminar meu caminho. As estrelas me guiavam. Apenas a
esperança pareceu me abandonar quando me aproximei da ponte, o som
das águas cada vez mais audível. Avistei então a moça de branco.
Mas não estava sozinha. Um homem a acoava. Ela estava na mureta da
ponte, mas diferente do sonho, o homem estava prestes a atirá-la
nas águas tortuosas do rio! Num último vislumbre de forças,
investi contra o desconhecido, golpeando-lhe e atirando-lhe da ponte.
Pude ver ainda sua silhueta negra revolver-se nas águas violentas do
rio.
A
moça era ainda mais bela do que no sonho. E seus olhos – pude
então contemplá-os, eram verdes, tal qual o que se diz ”esperança”.
Além de poder ver renascer uma vida, pude ainda ver nascer o Amor.