Crônicas da Casa Vazia
O Inquieto
Eu olhava para o céu quando ela se despediu e desligou o telefone. Já naquele momento parecia que a saudade voltava, como um turbilhão de estrelas que se apoiavam novamente em mim, como se a imensidão do céu fosse uma distancia infinita que me separava do meu amor. O dia todo eu estivera inquieto, ou antes, angustiado - é, essa seria a palavra correta . Mas isso era natural para mim. Se eu não aprendi ainda a controlar pelo menos eu tinha essa consciência: eu era ansioso, embora naquela noite eu sentisse algo diferente, muito mais intenso, sufocante, como se a simples existência fosse capaz de me levar ás lágrimas. Naquele momento, eu sabia, minha alma racional opugnava novamente com sua principal antagonista: minha alma passional. Tal embate seria tão perene quanto meu próprio existir, e de certa forma eu sei que esse eterno movimento, essa batalha interna, me faz o que sou. Enquanto tais pensamentos impetuosamente varriam meu espírito como vento de tempestade, um brisa levemente fria tocava minha face . A noite estava escura e um certo saudosismo se apoderou de mim enquanto eu fitava o céu, tão belo, imponente e dessolador como nunca antes houvera, ou como nunca antes eu o tivesse apreciado. Novamente, senti como se lágrimas tentassem brotar de meus olhos, sem motivo, apenas como se tentassem me lembrar que eu estava ali, sozinho e que sempre ali estivera. Inconscientemente eu buscava a lua, mas ela não estava lá. Apenas a brisa me prendia ainda na realidade, e meu turbilhão de sentimentos ainda me fazia existir. Perlustrava calmamente todo o horizonte, a brisa se transformara em vento e meu saudosismo também somente aumentava, como aquela sensação de solidão mesclada com alguma lembrança... Apenas meu corpo estava ali, pois meu espírito já nem mais eu sábia... Somente buscava sentir o que o destino, talvez, tentasse me mostrar. Comecei a caminhar e, passo após passo, mais distante eu parecia estar de tudo, e mais solitário também. O vento que ululava parecia cantar palavras indistintas que revelavam os enigmas da noite, do amor, da vida, trazendo antigos cânticos e nênias que somente os grandes Sábios saberiam interpretar. Mas a inquietude e a angustia ousavam ainda pungir minha alma, como se tudo que eu amasse estivesse prestes a partir. Nesse momento uma única imagem, um unico rosto, tomou conta de meus devaneios e era, talvez o seu olhar o que eu buscava no brilho das estrelas, era a sua face, e não a da lua que eu inquiria no horizonte, era a ausência do calor do seu abraço que fazia gélido o vento, era o seu amor o que eu temia perder... Olhei para meu telefone "precisava ouvir sua voz..." eu havia dito à poucos instantes - que grande mentira! Apenas precisava dizer que a amava, mas isso o vento iria ouvir e nele iria ecoar, como o reverberar de palavras confusas que um dia alguém, talvez, ouvisse, numa noite solitária e fria como aquela... Eu ainda olhava para o telefone, esperando ela me chamar, me segurando para eu não o fazer. Naquele momento, parecia que um turbilhão de estrelas pousara em mim, que o vento me arrastava, que tudo estava distante, menos aquela droga de angustia, de inquietude... Talvez eu apenas precisasse de um abraço. Nesse instante, o toque do telefone interrompeu meus pensamentos.