O Sono da Beleza na Modernidade
A brutalidade dos tempos modernos, evidenciada pela complexidade –
quem diria! – de sobrevivência material e social, impele o homem a
um espírito competitivo, mesquinho e paupérrimo, cujas
manifestações podem chegar ao nível do grotesco. Dentre elas, a
que mais desola um espírito alheio à cegueira da existência
contemporânea é a completa ausência de preocupação estética –
por vezes agravada por acentuado e inerente mau gosto – nas obras
mais ordinárias das ocupações humanas. Onde outrora as mãos e
alma labutavam com toda o esmero do escopo transcendental,
hodiernamente vislumbra-se o retrato estéril do niilismo, do
utilitarismo que mal serve a seu suposto propósito de “apenas
servir”.
Não é sem certa melancolia que, ao passear pelas vias de minha
urbe, arrosto miríade de faces impassíveis, inexpugnáveis,
acotovelando-se pelas calçadas, consubstanciando desordenada massa
de seres viventes parasitários de uma ordem caótica, baseada em
satisfação imediata de necessidades animalescas ou imaginárias:
olhos semidesfalecidos para a realidade atem-se naquilo que é mais
bestial e trivial, como mariposas que impelem-se ao calor mortal da
luz noturna. Cimentam todo o espaço do chão de seus lares, matam
seus jardins, como que para obstar o contato com a terra, com a
manifestação mais imediata do natural, na ânsia inconsciente de
atrasar a amálgama com o pó, seu destino inevitável, seu fim
material último. Paradoxalmente, encerram-se em grandes caixotes de
concreto de aparência esmaecida, como jazigos modernos, enquanto
suas almas encerram-se, por sua vez, na penumbra do solitário
coletivismo. Consomem e contentam-se com obras de entretenimento
medíocres, hipnotizados por esboços de experiências rasteiras.
A apreciação da beleza, seja das obras naturais, seja de enlevadas
obras humanas – todas centelhas inspiracionais da mesma Fonte –
foi relegada a atividade insignificante, excêntrica, mero atavio de
pseudointelectualidade, distante do homem prosaico. Tal deturpação,
no entanto, representa causa e, ao mesmo tempo, sintoma (uma
retroalimentação trágica...) do distanciamento do transcendental,
funesto apanágio hodierno, que cada vez mais sufoca a humanidade. Se
o homem é incapaz de apreciar - com autoconsciência - a beleza, é
incapaz de transcender-se e de entender a dor do próximo e o amor
para com ele, multiplicando o crime, a injustiça e as mazelas
contemporâneas.
O senso estético – um dos liames espirituais (talvez o mais
relevante) que propicia ao homem galgar seus limites materiais na
busca individual pelo conhecimento e consciência da eternidade -
dorme o sono mais profundo da noite mais longa desde a criação.
Despertar é uma questão de responsabilidade do indivíduo:
livrar-se das distrações, retornar a si e reconhecer que a beleza
da arte e a beleza da natureza (distinguíveis no luar, nas estrelas,
no frescor da planta cultivada, na literatura, nas obras clássicas)
são vitros para a transcendentalidade - o fim último da existência.